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domingo, 1 de maio de 2016




Revolta
(Reiner Kunze)

“Marcuse? Você tem um livro de Marcuse? Vê se me empresta ele...”

Eu disse a ela que nesse livro Marcuse dá uma visão da filosofia desde seis séculos antes de Cristo até nossos dias.  

“Não faz mal”.

Dois milênios e meio de filosofia, isso não é pouca coisa, eu disse. Aí, ainda falta perspectiva a uma pessoa com dezesseis anos.

“Mesmo assim. Eu tenho que ler isso”.

Eu dei o livro a ela. Apenas lamentaria, disse eu, quando ela o deixasse de lado depois da primeira página, para nunca mais por a mão.

“Ah! Claro que não. Se o livro for dele”.

Eu disse a ela que devia saber que há dois Marcuses.

“E daí? Mas esse aqui é o tal que provocou as revoltas estudantis?!”

Você quer dizer Herbert Marcuse, eu disse. Esse aqui é Ludwig Marcuse. Nesse livro, trata-se de entender o que torna humanos os homens.

“Ah! é?” O olhar dela dirigiu-se à lombada do livro. “Então, não preciso dele, não”.


[ Die Wunderbaren Jahren, ed. Fischer, 1976-2002, p. 51; trad. Bento Itamar Borges]
 
 
Olha só! O livro virou filme em 1980, dirigido pelo mesmo Reiner Kunze, que migrou da Alemanha de lá, para a de cá.



 
O Marcuse fumante, à esquerda, é o Herbert. O de óculos é o Ludovico. Vejam bem onde viemos parar: hoy dia, fumar um charutinho já parece rebeldia e pode dar cadeia. Revoltante. E brochante, diria o autor de Eros e civilização.
Ponto final: imaginemos que a moça da foto no cartaz do filme quisesse ler Marcuse. E que o rapaz sem camisa tenha dissuadido a pequena. Tem razão o jovem Reiner: saber como o bicho homem, vulgo serumano, se torna humano - inclusive Womano - é muita areia para o caminhãozinho desse primata na era do One dimensional man. Falou, bicho?

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